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PASTORAL – 1946

Dr. Flamínio Fávero

            Prezados irmãos em Jesus

            Pela graça do Deus Trino, augusto, eterno e santíssimo, ao qual servimos com abundância de coração, eis-nos chegados à aurora do 7º ano de nossas atividades eclesiásticas.

            Dura foi a travessia, por certo, mas quantas bênçãos recebemos, nela, dos Céus misericordiosos!

            Assim, nesta hora esplendida em que nos é dado falar-vos, também é ensejo feliz de vos conclamar a considerardes as grandes maravilhas operadas por Deus, em nós, aprovando Ele as atividades de um labor sincero posto ao serviço de Jesus, e permitindo brotassem valiosos frutos dos sulcos do arado conduzido com fé através dos campos de almas imortais, sedentas do evangelho da esperança e do amor.

RECONHECIMENTO E HUMILDADE

            Por isso, antes de tudo, diletos irmãos, seja a palavra primeira de um hino de ações de graças ao Pai amantíssimo pelos dons inefáveis que nos prodigalizou. Dentre todos, exalte-se o maior deles: cobrir-nos com a proteção infinita do sangue de Cristo, pagando assim a multidão dos nossos pecados com a sua morte expiatória na cruz.

            E como deve ser o nosso reconhecimento? Três são as formas de sua manifestação prática entre os homens. Uma delas – paradoxal – é a ingratidão. Já se disse que há benefícios tão grandes que somente a ingratidão os paga. E não é rara entre as gentes, antes bem encontradiça, essa forma de agradecer. E Deus é quem mais costuma ser alvo dela. São tais e tantas as munificências com que Ele, paciente e longânimo, sabe mimosear as criaturas, que só a negação completa da evidência por estas salda o débito. E quem será seu agente? Bem no-lo diz o salmista quando registra: “Disse o néscio em seu coração: não há Deus.” (Sl 53.1). Essa não é a nossa gratidão.

            A segunda modalidade de agradecer é referida pelo evangelista Lucas. Foi usada pelo fariseu, quando, no templo, posto em pé, orava: “Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens.” (Lc 18.11). É agradecimento, pró-forma, pretexto, apenas, para o seu autor exaltar-se. Constitui exibição de méritos, auto-elogio. Nas palavras proferidas, o fariseu põe em paralelo suas virtudes e as falhas do próximo. E agradece a Deus o saldo vultoso de sua arca recheiada. Gratidão assim, em que a única mola é o orgulho, não afina pelo evangelho de Cristo, tecido de humildade, amor e serviço. Atitude semelhante a essa não justifica, mas condena; não recebe graça e sim maldição, porque afasta a possibilidade do convencimento do pecado e da premência do perdão. Por isso, também não nos interessa.

            Há, porém, outro tipo de reconhecimento, que o mesmo evangelista nos apresenta (Lc 17.15,16). É o do leproso: curado como os seus nove companheiros de infortúnio, voltou, de pronto e sozinho, para agradecer a Jesus a mercê inestimável. Doente, clamou por socorro. Atendido, buscou seu médico e se lhe prostrou aos pés, humilde e grato. Foi quando a graça gratuita mais choveu e se avolumou sobre a beleza daquela virtude rara.

            É com esse reconhecimento humilde que Deus se delícia e compraz. E quem diz gratidão, diz louvor. Pois é desse perfume suave que os céus se enchem, nos cânticos dos anjos. O Universo todo vibra nos acordes dessa melodia constante e inigualável.

            Vibremos nós também, em uníssono, com ela, na humildade de nossa real pequenez, mas na grandiosidade de ações de graças, sinceras e insopitáveis.

FIDELIDADE DOUTRINÁRIA

            Esse reconhecimento humilde deve iluminar sempre, num estímulo sem tréguas, a fidelidade que prometemos a Jesus. Nossa Igreja, em momento histórico, surgiu de um imperativo incoercível de apego severo à doutrina. O dogma, na vida religiosa, tem sua necessidade certa, incontestável. Sem ele, os benefícios do ensino de Cristo seriam falhos, e a missão sublime do Filho de Deus sobre a terra teria fracassado.

            Compreendendo isso, propusemo-nos defender essa verdade e, daí, tomamos posição entre os que põem os princípios fundamentais do Cristianismo, revelados nas Escrituras, como sua principal razão de ser.

            Eis porque, no manifesto de 1940, foi dito o seguinte: “Pregando ardorosamente o Evangelho de Cristo aos pecadores, como sendo este Evangelho (a doutrina) o único meio de conduzir os homens a Cristo – o Salvador, cerraremos fileiras em trono da ortodoxia e montaremos guarda, sempre alerta, à sua conservação integral. Por isso, queremos ser chamados presbiterianos conservadores.”

            É a fidelidade a tais propósitos que vimos proclamando em nossa jornada, pregando a Jesus Cristo, como Salvador, na plenitude de sua obra divina claramente revelada na Bíblia, em cuja inspiração cremos, como Palavra de Deus que é.

            A nossa tarefa, como Igreja, é continuar nesse testemunho, pois no seu fundamento nascemos e estamos crescendo, na segura certeza de que sua solidez é inabalável.

O TESTEMUNHO DAS OBRAS         

            Todavia, essa fidelidade doutrinária não é palavreado estéril e inexpressivo, traduzindo simples conhecimento intelectual de Cristo, pois sempre a compreendemos como energia prática e operante. Aliás, o apóstolo bem o salienta, lembrando que “a fé sem obras é morta” (Tg 2.26). a vida se manifesta na pujança de realizações que a possibilitam, porque as boas obras, diz a “Confissão de Fé” (Ed. Da Igreja Presb. Conserv.  Pág. 52), “santas em obediência aos mandamentos de Deus, são o fruto e as evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas, os crentes manifestam a sua gratidão, robustecem a sua confiança, edificam os seus irmãos, adornam a profissão do Evangelho, tapam a boca aos adversários e glorificam a Deus cuja feitura são, criados em Jesus Cristo para isso mesmo, a fim de que, tendo o seu fruto em santificação, tenham no fim a vida eterna.”

            Diante disso, a verdadeira fé, que liga a mente e o coração, se traduz em atos de piedade e amor, em relação a Deus e ao próximo, naquela medida que o próprio Jesus nos deu, quando tomou a natureza humana.

            Ao influxo dessa fé ativa, devemos procurar ser irrepreensíveis no meio social onde vivemos. Capacitemo-nos de que, como crentes, somos o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5.13, 14). Nestas condições, nos caminhos de nossa peregrinação, ante as dificuldades e tropeços que surgirem aos nossos pés, uma indagação pronta deve ser feita, na oportuna sugestão do belo livro de Sheldon: – Que faria Jesus? E destarte, os problemas todos serão resolvidos à sombra do “Decálogo”, interpretado pelo “Sermão do Monte”, com a iluminação do Espírito Santo, para que sejamos coerentes, pela obras, com os princípios doutrinários de nossas palavras e votos.

NAS TORMENTAS DO MUNDO

            O mundo é uma tormenta sem fim. À medida que o tempo se escoa, mais tempestuosos correm os dias. Mal terminou um guerra, tremenda, de conseqüências tão graves que 50 anos de paz não remedeiam seus estragos físicos e morais, e eis que a humanidade, numa insensatez pasmosa e numa dureza de coração surda a todos os avisos divinos, se adestra para outra, que pode vir a ser o remate desta civilização. É que os homens e as nações vivem para o seu egoísmo, na ânsia insaciável de se suplantarem uns aos outros, tripudiando sobre os mais santos princípios de solidariedade fraternal. Daí, as angústias dolorosas que nos assolam a todos, fazendo maus os dias que passam.

            Para nós, discípulos de Jesus, seria cômodo retirar-nos do encapelado mar em que estamos e irmos no monte da transfiguração, todos juntos, para deliciar-nos na contemplação beatífica de Jesus, Moisés e Elias, entoando cânticos de louvores incessantes a Deus. Seria cômodo, sim, mas fugiríamos à missão de seguidores de Cristo, que teve a sua cruz, antes da ascensão, e nos reservou as nossas. E desrespeitaríamos seu expresso desejo manifestado na oração pelos discípulos: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livre do mal.” (Jo 17.15)

            Os crentes são como médicos. Estes não podem eximir-se ao dever profissional de prestar socorro aos enfermos. Quanto mais grave a moléstia, mais forte é a solicitação à presença dos médicos. Tomem estes as suas precauções para não contagiar-se. Vacinem-se. Redobrem os cuidados de profilaxia. Robusteçam as reservas de resistências, com todos os meios que a ciência lhes faculta. Desertá-lo é tornarem-se indignos da classe a que pertencem.

            Os crentes são como os soldados na guerra. No mais aceso da peleja, lá é o setor da sua tarefa. A defesa da Pátria o requer. Aos covardes que fogem, a recompensa será o desprezo e a morte ignominiosa.

            Devem os crentes ficar no mundo, no fiel cumprimento de sua incumbência de testemunhas de Jesus, anunciando as boas novas de salvação, valendo com o espírito de serviço aos que sofrem, combatendo o pecado multiforme que os rodeia. Cerquem-se de todos os cuidados possíveis, principalmente da proteção eficaz de Deus, para não serem presa das garras tentaculares do Maligno, mas nunca se furtem ao dever que lhe cabe.

            Prossigamos, pois, a nossa obra, diletos irmãos, no meio das maiores tormentas, sem desfalecimentos, confiantes, otimistas, sempre de pé, buscando o braço poderoso de nosso Pai Celeste, sob cujo amparo continuaremos a fazer os prodígios que temos visto até aqui, e ainda outros maiores, sem dúvida alguma.

OS CRENTES E A POLÍTICA

            “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, disse Jesus, como no-lo relatam os evangelhos sinóticos.

            Dentre as obrigações que temos com César, uma delas é a de concorrer, pelo voto, na escolha das autoridades que nos dirigem. Agora que a restauração no Brasil de todas as prerrogativas democráticas se processa, somos com insistência solicitados a filiar-nos aos partidos que disputam o governo. Podemos aquiescer? Sem dúvida que sim, desde que seus estatutos e programas de ação não contrariem os deveres que temos com Deus, autoridade máxima e suprema a que servimos.

            Isso em tese. Na prática, entretanto, a política é sereia perigosa, tendo, numa aparência batida de luz, labirintos escuros e cheios de surpresas que podem nos prender em compromissos de solidariedade incondicional que os crentes não podem aceitar. A disciplina partidária é férrea. Sua quebra é deslealdade a princípios. Por vezes, essa disciplina impõe atitudes que fogem do programa básico, pela necessidade de servir a interesses de acomodações ocasionais. Como fazer? Romper compromissos políticos? Forçar a consciência? Desagradar a Deus? Eis a encruzilhada a que a filiação partidária pode conduzir.

            O melhor seria manterem-se os crentes estranhos aos partidos e concorrerem com seus votos livres para a vitória dos candidatos, sejam quais forem seus partidos, e ainda crentes ou não, que melhor possam desempenhar uma investidura política de obreiros da sã democracia fundada no respeito inviolável aos sagrados direitos fundamentais do homem. Assim, cumpririam seus deveres cívicos, dando a César o que é seu, e não iriam contrariar a Deus, naquilo que de direito lhe pertence.

            Seja, porém, qual for a nossa atitude pessoal, nunca deve a Igreja ser envolvida em competições políticas. A sua incumbência, nesse âmbito de ação, é preparar os melhores cidadãos que irão construir o bem-estar da Pátria.O Cristianismo de Cristo não pretende ser maioria. Não lhe interessa ter em mãos a direção dos povos, pois o reino do seu fundador não é deste mundo. Triunfa nos agregados sociais pela qualidade dos seguidores e não pela quantidade. É do seu gênio, está na sua essência, constitui preceito pregado por Jesus, no maravilhoso sermão do monte, que devem ser buscados a porta estreita e o caminho apertado por onde se vai à vida. Esses, são poucos os que os topam. (Mt 7.14)

O MINISTÉRIO DA ORAÇÃO

            A maior arma do crente é a oração. Diante dela, dificuldades instransponíveis se diluem; abismos insondáveis são transpostos; bênçãos sem medida e sem conta são obtidas.

            A nossa Igreja, modesta e humilde, mas leal no seu testemunho e crescente em sua prosperidade, é exemplo nítido do poder da oração.

            Exercitemos, pois, caros irmãos, essa prática salutar, com fé intensa e sem desfalecimentos. Oremos a Deus para a solução de todos os problemas que ai estão abertos diante de nós.

            No mundo, é o da paz, anseio de todos os corações. A guerra cessou, mas ainda não foi concedida aquela doce paz que os dirigentes das nações nos prometiam. Por que? Porque os espíritos continuam armados, estimulando contendas ou mal-entendidos intermináveis. Roguemos a Deus que não seja mais assim e tudo se normalize, cessando, então, os sofrimentos, as tristezas, as lágrimas, a fome, a miséria.

            Oremos pela Pátria estremecida de nosso berço, para que ela encete agora, em bases sólidas e sob a tutela de uma constituição democrática, a marcha para um futuro feliz, em que a verdadeira liberdade dentro da lei se instale e tome corpo. Só assim, ela será grande e respeitada no concerto dos povos.

            Oremos pelas Igrejas Evangélicas que militam no Brasil, para que todas se capacitem da necessidade de se manterem vigilantes na fidelidade a Jesus, como Salvador dos pecadores. E que, nesse espírito, trabalhem numa franca e decidida cooperação, dirigidas pelo próprio Senhor Jesus, no qual devem estar unidas e coesas.

            E oremos em especial pela Igreja Presbiteriana Conservadora. O nosso trabalho tem crescido em número de membros e de congregações e igrejas. A seara conservadora se estende, promissora, pela vastidão do País. São os frutos de um sincero esforço, sob as vistas paternais de Deus, que não nos tem abandonado.

            Para atender, entretanto, às exigências dos campos, são poucos os obreiros. Esse é o nosso problema.

            Precisamos, então, rogar perseverantes a Deus para que desperte vocações ministeriais e reforce, daí, as fileiras dos nossos dedicados pregadores. A tarefa que os atuais desempenham é excessiva. Notório se mostra o sacrifício que realizam para satisfazer todos os pontos de pregação que se multiplicam.

            Oremos também para que nos venham, em conexão, os recursos materiais para manter e desenvolver com redobrado arrojo a seara, levando cada vez mais a bandeira conservadora, por meio de conversões a Jesus, o Salvador dos pecadores.

            E assim, diletos irmãos, firmes em nosso posto, confiando em Jesus, o Filho de Deus, nosso Guia e Cabeça, sob a proteção paternal de Deus-Pai, iluminados pelo Espírito Santo, continuemos a tarefa esplêndida que nos cabe desempenhar, dando graças aos Céus bondosos pelo privilégio outorgado de sermos escolhidos para esta obra gloriosa e santa.

Jaú, 29 de junho de 1946.

Assinados: Flamínio Fávero, Rafael Pages Camacho, presidente, Franscisco Augusto Pereira Junior, vice-presidente, João Rodrigues Bicas, primeiro secretário, Alceu Moreira Pinto, segundo secretário, Alfredo Alípio do Vale, Carlos Pacheco, Amávio Rosa, Isoraldo Martins Coelho, Alberto Palma, Herculano Alvim Pereira, João Pereira Lima, Policarpo Ferreira, Abraão Pinheiro, Florêncio Fernandes Reis, Horácio Bueno Gonçalves, Roberto Hecht, Franklin Rodrigues Silveira, Custódio José Gonçalves, Antônio Euclides Cavalheiro, Joaquim de Souza Melo, Azor José Rodrigues.