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QUEM É A MULHER VIRTUOSA DE PROVÉRBIOS 31.10-31?

por Rev. Márcio Willian Chaveiro

Sei que vou pisar em terreno pedregoso ao falar da identidade da mulher virtuosa. A razão é que comumente se interpreta esse texto como tratando de um modelo de mulher para as mulheres cristãs seguirem. Seria como se o propósito do autor fosse realmente escrever para as mulheres, para mostrar a sua importância dentro do lar e um modelo a ser seguido. Mas se eu dissesse que não é esse o propósito central do texto? Se eu disser que o autor dessa passagem não é Lemuel (31.1-9) e nem seria uma referência a mãe dele? Rogo que não conclua nada antes de ler todo o conteúdo deste artigo.

Antes de apresentar minhas argumentações exegéticas do texto, quero desfazer a ideia que pode rondar sua mente de que estou desprezando o papel da mulher ou que o texto sendo interpretado desta forma retira um modelo a ser seguido pela mulher piedosa. A mulher é tratada na Escritura como sendo igualmente criada à imagem de Deus com o homem (Gn 1.27), o que significa que nenhum é mais importante em termos de natureza humana que o outro, apenas exercem funções diferentes dentro do plano estabelecido pelo Criador.

Todavia, preciso alertar sobre um perigo ideológico que pode interferir na interpretação do texto que é o feminismo. Assim como o machismo interpretou erradamente o papel do homem, também o feminismo interpreta erradamente o papel da mulher dentro do casamento, da família e da sociedade. Nenhuma ideologia pode servir para interpretar a Escritura, mas é a Escritura que interpreta todo o pensamento ou cosmovisão. A mulher é fundamental para o bom andamento da família, todavia, é o homem que é chamado para ser “a força da casa”, como líder da esposa e dos filhos.

Certa vez, vi uma declaração em uma série em que um líder das tribos turcas antes do Império Otomano ser formado, disse aos filhos que o pai é como uma cadeia de montanhas que cerca e protege a família e a mãe é a pastagem na qual pastam os filhos com tranquilidade e paz, encontrando sombra e lugar de descanso. Um protege e lidera e outro traz tranquilidade no ambiente do lar.

Dentro dessa diferenciação de funções entre o homem e a mulher no casamento e no lar, apresentada pelas Escrituras e interpretando a mulher virtuosa como um modelo de esposa ou como um texto específico para as mulheres, teremos algumas dificuldades, ao meu ver. Quais? Se lermos a descrição desta mulher veremos que ela é perfeita e mantenedora da casa: não tem falta de ganho por causa dela (31.11); ela é irrepreensível todo o tempo (31.12); produz, vende, dá mantimento à sua casa, dá tarefa às suas servas, adquire propriedades, planta vinha (31.13-16); cuida do aflito e necessitado (31.20); cuida do andamento da casa e o marido é estimado entre os juízes por causa dela (indiretamente) e jamais essa mulher virtuosa tem preocupações (31. 21-25); seus filhos a elogiam todo o tempo e seu marido a louva (31.28-31).

Qual o problema? Se você olhar com cuidado perceberá que a descrição do texto apresenta essa mulher como uma “Mulher Maravilha”! Ela busca sustento para casa, negocia, cuida das servas, vende e adquire propriedades, não deixa faltar o pão na casa, não tem preguiça, não tem ansiedade e o marido é honrado diante dos juízes por causa dela. Fico pensando ao ler essas descrições, onde está o marido da mulher virtuosa? Já sei, louvando-a (29-30)! Não parece estranho isso para você?

Alguém poderia dizer que minha linha de raciocínio é que o texto está errado? De forma alguma. O que estou dizendo é que a interpretação da finalidade principal do texto comumente aceita está errada. Como posso descobrir o propósito do texto? Através de três aspectos básicos: Gênero literário da passagem; Propósito do livro; Estrutura do livro.

Vamos ao primeiro ponto que é o gênero literário do livro. O que é isso? Diz respeito a qual tipo de literatura é o livro: narrativo, poético, profético, parábola, epístola e assim por diante. Nas Escrituras encontramos estes e outros tipos de literatura. No caso de Provérbios é literatura de sabedoria em forma de poesia hebraica. Existem linguagens próprias do livro que são abordadas com a estrutura poética e de sabedoria.

Segundo aspecto que destaco é o propósito do livro. No seu início encontramos esse propósito através da expressão “para” utilizada nos 6 primeiros versos: ““Para aprender a sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência; ” (1.2); “Para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a equidade” (1.3); “Para dar aos simples prudência e aos jovens, conhecimento e bom siso” (1.4); “Para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios.” (1.6); Podemos dizer que a essência do livro se encontra no verso 7: “O temor do SENHOR é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino.”

Dentro deste aspecto do propósito do livro preciso destacar seu propósito internacional. Já observou que no livro não encontramos citações diretas da Lei mosaica? Se tivesse sido escrito primariamente para os judeus teria muitas citações da lei. Mas o livro tem um caráter internacional, de alcançar os gentios. Basta vermos que dois gentios escreveram parte do livro: Agur e Lemuel (capítulos 30 e 31). Outro fator importante é a ida da rainha de Sabá até Salomão por ouvir sobre sua sabedoria e querer saber realmente se sua produção literária e sabedoria eram verdadeiras. Como ela ficou sabendo de Salomão morando mais de 4 mil km de Jerusalém? Porque leu esses provérbios e outros que não estão no livro. Como a mãe de Lemuel o aconselhou sendo uma gentia? Porque leu e creu nos provérbios escrito por Salomão e por outros sábios de Israel.

Existia uma produção internacional de sabedoria entre os povos. Salomão utilizou de sabedoria internacional e citou muitos reis de alguns povos, o que revela uma interação. A rainha de Sabá era uma erudita e conhecia todos os provérbios do seu tempo. Mas o que a levou a ficar maravilhada com a sabedoria de Salomão e o que a atraiu? A rainha de Sabá fez perguntas “enigmas” para Salomão que facilmente foram respondidas por ele (1 Reis 10. 2-3):

“…compareceu perante Salomão e lhe expôs tudo quanto trazia em sua mente.Salomão lhe deu resposta a todas as perguntas, e nada lhe houve profundo demais que não pudesse explicar.”

Ela queria saber como ele havia feito a ligação de provérbios conhecidos com o SENHOR e a conexão da sabedoria personificada com o SENHOR.

Outro aspecto não menos importante é entendermos a estrutura do livro de Provérbios, como ele foi montado pelos compiladores. Quem são estes compiladores? Uma palavra rápida sobre eles. Eram homens piedosos e muito capazes que foram inspirados por Deus para montar o livro de Provérbios na forma que temos hoje. Podemos ver que o livro passou por edições de montagem do tempo de Salomão até os dias do rei Ezequias (25.1). Nesse processo histórico o livro passou por montagem para ficar como o conhecemos hoje. Os autores do livro de Provérbios eram inspirados, mas também os compiladores. Esses compiladores iniciaram o livro falando da Sabedoria personificada e terminaram o livro falando da Sabedoria personificada através da figura da mulher virtuosa.

A estrutura do livro finalizado ficou assim distribuída em sete coleções, onde são revelados os autores diferentes e em épocas diferentes, o que claramente demonstra que o livro não foi montado desta forma que temos no tempo de Salomão.

ESTRUTURA DO LIVRO
COLEÇÃO 1 Apresenta um contexto ou uma base para todas as demais que virão no livro (1-9)
COLEÇÃO 2 São provérbios de Salomão tratando de assuntos variados (10.1-22.16)
COLEÇÃO 3 Os trinta ditos dos sábios (22.17-24.22)
COLEÇÃO 4 Mais ditos dos sábios (24.23-34)
COLEÇÃO 5 Salomão (25.1-29.37)
COLEÇÃO 6 Ditos de Agur (30.1-33)
COLEÇÃO 7 Ditos de Lemuel (31.1-31

A PERSONIFICAÇÃO DA SABEDORIA EM PROVÉRBIOS

Quando você ler a primeira parte do livro verá que a Sabedoria tem vida, fala, argumenta, exorta, dá vida, clama em vários lugares (8. 1-3); exorta os simples e o néscios à prudência (8.5); edifica a casa e trabalha nela (9.1-3); ela dá beijos (8. 6-11). A Sabedoria é apresentada como uma pessoa, e nesse caso é uma mulher. A expressão Sabedoria sempre está no feminino em Provérbios. A razão para isso é: para chamar a atenção do mundo daquela época, Salomão teve que associar a Sabedoria verdadeira, apresentada no livro, com uma figura conhecida no mundo antigo que era a deusa Maat. Essa deusa era egípcia e tida como sendo a deusa da retidão, da justiça e da sabedoria. Nos povos antigos babilônicos e assírios também tinham a sua versão de sabedoria através da figura de uma deusa.

Sei que parece completamente estranho isso e até mesmo pecaminoso. Contudo, não estou dizendo que Salomão declarou que a deusa Maat fosse verdadeira e que a Sabedoria personificada em sua literatura fosse a deusa Maat. Mas que ele, inspirado pelo Senhor, utilizou dessa figura conhecida naquele período para evangelizar os povos gentílicos.

Um professor de literatura sapiencial fez uma boa ilustração usando a figura dos quadrinhos e filmes conhecida, que é o Homem-aranha. Imagine que eu escrevesse uma revista em quadrinhos na intenção de alcançar as pessoas não cristãs usando uma versão alternativa do Homem-aranha evangélico. Se eu o colocasse pulando de um prédio para outro, soltando teias e predendo bandidos para a polícia, não chamaria atenção. Contudo, se eu crio essa versão mostrando que ele conheceu o Evangelho, converteu e segue a Cristo, chamaria a atenção das pessoas, não é? Colocasse ele lendo a Bíblia e orando pedindo a Deus sabedoria, se humilhando diante do Senhor, as pessoas ímpias iriam querer saber como ele lidaria com os conflitos éticos e morais quando fosse perseguido pelos inimigos ou quando tivesse que prender algum criminoso. E como ele iria namorar? Essas e outras questões que relacionam ao fato dele ser um cristão chamaria a atenção e por meio disto poderia evangelizar. Foi isso que chamou a atenção da rainha de Sabá e do mundo da época, saber como Salomão associou a Sabedoria com o SENHOR sem cometer os erros de idolatria e paganismo do Egito.

Você já leu livro: Crônicas de Nárnia de C. S. Lewis? Talvez você tenha assistido a versão que a Disney fez do livro nos filmes. O que destaco é a maneira brilhante que C. Lewis fez essa literatura usando figuras mitológicas para revelar o Evangelho aos ímpios. Sua literatura não foi escrita primariamente para os cristãos, mas para alcançar os ímpios pagãos de sua época.

A Sabedoria personificada em Provérbios é comparada com uma mulher que edifica um lar; ela cuida dos afazeres da casa, dá ordens às criadas (9.1-3). Mas essa Sabedoria personificada é divina, eterna (8.22-30). É contrastada com a mulher adúltera que seduz e destrói a vida do jovem e a casa (9.13-18).

Para quem a Sabedoria personificada em Provérbios aponta? Para Cristo, que é a Sabedoria de Deus (1 Co 1.22-25). O Senhor Jesus é a Sabedoria personificada, que dá vida eterna a quem ouve suas exortações e crê (compare Pv 8.35 com Jo 3.36). Sei que parece estranho usar a figura de uma mulher para apontar para Cristo e essa estranheza é porque no fundo até as mulheres cristãs menosprezam a figura feminina. Quando é dito que a mulher deve ser auxiliadora do marido em Gênesis 2.18 o termo ali usado é usado para o papel do Espírito Santo na vida do crente. Não se trata de gênero sexual nesses casos, mas de função e propósito. O propósito de Salomão era mostrar ao mundo da sua época que a verdadeira Sabedoria não era Maat, mas sim Cristo (isso na perspectiva da revelação bíblica toda).

E O TEXTO DA MULHER VIRTUOSA?

Lembra que disse que o livro de Provérbios passou por edições e que os compiladores finais montaram da forma que temos hoje? Os homens do rei Ezequias que provavelmente fizeram essa última montagem (25.1). Contudo, nos dias de Salomão, antes de outros provérbios serem escritos, o livro tinha outro formato e nesse primeiro formato o texto da mulher virtuosa estaria logo após do verso 18 do capítulo 9. Esse capítulo termina falando sobre a mulher-loucura e encerrava com o texto da mulher virtuosa que é a Sabedoria personificada. Leia com essa montagem que apresento e tire suas conclusões sobre a lógica e didática desta estrutura inicial.

Mas por que os homens de Ezequias colocaram a mulher virtuosa no final do livro? Depois que montaram toda as partes que temos nesse livro retiraram daquela parte final do capítulo 9 e colocaram no final do livro para mostrar que o autor principal é Salomão (como diz o 1.1) e para mostrar que o padrão de moral, de vida e sabedoria a ser imitada não é da mulher-loucura, mas a da Sabedoria personificada (mulher virtuosa).

Portanto, a intepretação é que a mulher virtuosa que é um acróstico não foi escrito por Lemuel e nem em homenagem à sua mãe, que para ser como a mulher virtuosa teria que ter tido uma vida perfeita. Mas o texto é um recorte da estrutura inicial de sua montagem nos dias de Salomão e que foi colocado nessa parte para finalizar de forma brilhante e edificante o livro. Logo, se a Sabedoria personificada aponta para Cristo, também a mulher virtuosa é uma tipificação de Cristo. Isso nos ajuda a entender por que ela é perfeita, por que edifica o lar, por que sustenta a casa, lidera e cuida e ainda é louvada!

Apenas para fundamentar mais essa interpretação compare os textos que falam da Sabedoria personificada com o da Mulher virtuosa e veja se não dizem a mesma coisa em essência. Sabedoria personificada ama quem a acha (8.17); quem a encontra, acha a vida e alcança favor do SENHOR (8.35-36); é melhor o seu fruto do que o ouro refinado e a prata escolhida (8.19); a sabedoria que provém da Sabedoria personificada é melhor que joias (8.11-12); a Sabedoria edifica a sua casa, lavra suas colunas, carneia os animais e dá ordens às servas (9.1-6). Já a mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede o de finas joias (31.10); ela faz sempre o bem e nunca o mal, cuida dos negócios da casa, traz sustento e dá tarefa às suas servas (31.12-24).

Existe algum propósito no texto da mulher virtuosa para a mulher cristã? Certamente que sim. Contudo, não é o principal propósito e nem um padrão unicamente para as mulheres. A mulher virtuosa sendo uma tipificação de Cristo é um padrão para homens e mulheres. Os homens devem ouvir os conselhos da Sabedoria personifica para ter sabedoria e não cair nas seduções da mulher adúltera (2.1; 3.1, 12-15) e as mulheres devem mirar no exemplo prático da mulher virtuosa sabendo que é o caráter de Cristo que devem imitar assim como os homens.

Mas, se a mulher virtuosa não é um padrão perfeito de esposa e mãe, mas a personificação da sabedoria, as mulheres cristãs não podem ver nela princípios a serem seguidos? Creio que sim, mas entendo que ela é padrão porque tipifica Cristo. Uma esposa cristã e mãe, só pode ser virtuosa na medida que imita a Cristo. Paulo diz que as mulheres devem ser submissas aos seus maridos como ao Senhor (Ef 5.22).

A motivação e o padrão dessa relação é sempre o Senhor. Não existe um modelo de perfeição a ser buscado pelos homens e outro pelas mulheres. Tanto para os homens, quanto para as mulheres, Cristo é o padrão perfeito!

Irmãs, vocês só podem ser virtuosas em suas funções no lar e na sociedade, na medida que imitarem a Cristo. É preciso que habite ricamente em vocês a Palavra de Cristo (Cl 3.16). Que sejam cheias do Espírito Santo e não do feminismo (Ef 5.18). Achem a Sabedoria e terá uma vida feliz, porque o valor da Sabedoria de Deus, excede o das mais finas joias! Em Cristo encontramos todos os tesouros ocultos do conhecimento (Cl 2.3) e todos nós, homens e mulheres cristãos, só podemos caminhar no temor do Senhor na medida que caminhamos em Cristo (1 Jo 2.4-6). Lembre-se que:

“O temor do SENHOR é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino.” Pv. 1.7.