“Bençãos nas Provações”
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11 de julho de 2019“A Doutrina da Suficiência das Escrituras”
A doutrina reformada da suficiência das Escrituras ensina que a Palavra de Deus é completa e suficiente. Por esta razão, não há necessi-dade de acréscimos de qualquer natureza à Bíblia. Esta doutrina confere à Escritura o lugar de honra e autoridade que lhe é devido. Não só isto, mas ressalta a sabedoria e perfeição da revelação divina, uma vez que mostra que Deus revelou de maneira perfeita e completa a sua vontade. O Senhor não nos deu uma revelação parcial, incompleta ou fragmentada.
Apesar de a doutrina ser óbvia, já que, sendo Deus perfeito em seu ser e em suas obras, a revelação jamais poderia ser incompleta, muitas são as doutrinas e práticas de determinados grupos pseudo-cristãos que a sacrificam. Pretendo, com este breve estudo, apresentar alguns destes grupos heréticos. Antes disso, irei mostrar o fundamento bíblico-teológico-histórico da doutrina.
Desta forma, conhecendo os pilares desta doutrina escriturística e identificando as tendências modernas que prejudicam esta visão orto-doxa da Escritura, poderemos perceber quando a Igreja está, de alguma forma, anulando a suficiência da Palavra de Deus.
OS ALICERCES DA DOUTRINA DA SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS
A DOUTRINA NA BÍBLIA
A Bíblia é o nosso fundamento, portanto precisamos extrair dela o pressuposto que iremos defender. Podemos considerar o texto de Deu-teronômio 4.2, que diz: “Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que eu vos mando”. O Senhor Deus estava dando instruções ao povo de Israel quando lhes deu esta ordem. E esta ordem é clara e es-pecífica: nada deveria ser acrescentado nem diminuído daquilo que ele havia revelado.
Semelhantemente, no mesmo livro citado encontramos esta orientação: “Tudo o que eu te ordeno observarás; nada lhe acrescentarás, nem diminuirás” (12.32). Neste caso o contexto é litúrgico. Estes dois textos são parecidos com o que encontramos em Apocalipse 22.19-20, que amaldiçoa aqueles que ousarem acrescentar ou diminuir palavras ao que foi escrito na profecia. Por estes textos podemos deduzir que a Palavra de Deus é suficiente, completa e perfeita, não precisando de acréscimo. Não sendo isto verdade, por qual razão haveria tanta proibição para se adici-onar ou subtrair palavras daquilo que Deus tinha revelado? Isso só se explica com a ideia da suficiência da Escritura.
Tudo o que Deus revelou é completo, suficiente. Nada precisa ser adicionado. A Bíblia, tal qual a temos em mãos hoje, “é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça…” (2ª Tm 3.16). Estes textos básicos bastam para se provar biblicamente a doutrina da suficiência da Escritura.
A DOUTRINA NA HISTÓRIA
A doutrina da suficiência da Escritura está amplamente presente no protestantismo histórico-ortodoxo. Estudando os escritos dos nossos antepassados a encontramos claramente. É importante analisar a doutrina historicamente; saber o que nossos irmãos do passado entenderam sobre certas doutrinas é importante para a nossa compreensão dela. Brian Schwertley diz que “desde os tempos dos apóstolos até hoje, a igreja tem crido que a Bíblia é completa, eficiente, suficiente, inerrante, infalível e autoritativa” [1] (grifo meu).
A 6ª seção do primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster reza o seguinte:
“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é ex-pressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às nações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas” [2].
O ensino é claro. Tudo o que precisamos saber para nossa vida cristã está contido na Escritura. Obviamente nem tudo é igualmente claro. A confissão ensina que aquilo que não está claro pode ser estabelecido por dedução. O que se pode afirmar com certeza, com base em seu ensino, é que não existe nada além da Escritura que tenha peso compulsório sobre os cristãos.
SINAIS DO ABANDONO DA DOUTRINA DA SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA
Quando a apostasia começa a se manifestar na Igreja, é impossível não se identificar os sinais. Eles claramente apontam para o declínio da Escritura na vida desta. Isto tem sido uma característica do evangelicalismo moderno. Quando as Santas Escrituras não estão no centro da vida cristã, a Igreja padece, cai em um abismo sem fim.
A “insuficiência” da Escritura é a tônica da maioria das ditas igrejas cristãs, sejam elas católicas romanas ou “evangélicas”. As duas prin-cipais formas de sacrifício à suficiência da Bíblia são a tradição e a crença nas novas revelações do Espírito.
A TRADIÇÃO
Esta é a marca da igreja romana. Para o catolicismo, a tradição tem peso equiparado com as Escrituras, de maneira que aquilo que é pas-sado ao longo das gerações como ensino verdadeiro, é igualmente autoritativo para os homens, tanto quanto a Palavra.
Esta forma de enxergar a tradição invalida a Palavra de Deus, além de torná-la incompleta, pois faz supor que algo é adicionado ao seu ensino. Teríamos uma revelação parcial da parte de Deus, e não poderíamos dizer que a Bíblia é um guia completo para a condução da vida cristã.
Os reformadores rejeitaram com veemência esta concepção. Para eles, as Escrituras são a autoridade máxima, na verdade única, em maté-ria de fé. A Bíblia é a norma norman, à qual todas das demais normas estão submissas. Elas condenam com muita clareza possíveis acréscimos ao seu conteúdo, em textos já mencionados (Dt 4.2; 12.32; Ap 22.19-20).
Existe, ainda, no caso do catolicismo, um agravante: as adições são, em muitos casos, acompanhadas de heresias. Algumas de suas dou-trinas, que são ensinadas apenas em seus catecismos, encíclicas, bulas papais e outros documentos, não encontram qualquer amparo nas Escrituras. Doutrinas como a mariolatria, a transubstanciação, o purgatório, o limbus patrum e o limbus infantum, a missa, o papa, o celibato do clero e inú-meras outras estão em total desacordo com a Bíblia.
É digno de nota que o problema de uma tradição em pé de igualdade com a Escritura não é apenas propriedade da igreja papal. Muitos evangélicos, por adotarem um sistema rígido de vida, o qual não é também ensinado em parte alguma das Escrituras, caem nesse engano. Eles impõem sobre os seus seguidores uma série de restrições, e acabam usurpando o lugar da Palavra de Deus no direcionamento da vida cristã. Eles “atam fardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens” (Mt 23.4). Nosso Senhor Jesus diz que aqueles que fazem estas coisas invalidam a Palavra de Deus por causa de suas tradições, e acrescenta que estes adoram a Deus em vão (Mt 15.6,9).
AS NOVAS REVELAÇÕES DO ESPÍRITO
Esta é a segunda perversão da doutrina da suficiência da Escritura. Por sua natureza “miraculosa”, ela tem alcançado grande popularidade, e diversos grupos outrora considerados conservadores, fechados, têm aderido a este movimento antibíblico.
Segundo se alega nos círculos pentecostais e carismáticos (que defendem estas supostas revelações), o Espírito Santo continua a conceder dons revelacionais tal qual nos dias dos profetas da antiga aliança e nos dos apóstolos, na nova aliança. Estes dons possuem a mesma natureza que aqueles registrados nas Escrituras. De acordo com esta crença, estes dons devem permanecer na Igreja até a segunda vinda de Cristo.
Esta doutrina entra em conflito com a Palavra de Deus. Ela pressupõe a possibilidade de acréscimos não autorizados ao seu sagrado conteúdo. Uma vez que nós dispomos de um cânon bíblico completo e perfeito, não há necessidade de novas revelações. Supondo uma revelação nos dias de hoje, qual seria o conteúdo desta revelação? Seria uma doutrina nova? Se o conteúdo desta revelação fosse contrário à Escritura, obviamente ela não poderia ser aceita. E se ele estivesse em acordo, não seria uma nova revelação, apenas uma exposição do que já está revelado – e isto os fieis ministros do evangelho já fazem. Nas palavras do Rev. Paulo Anglada, tratando da Sola Scriptura, “Se as novas revelações do Espírito ou as tradições humanas ensinam o que já é ensinado nas Escrituras, são desnecessárias; se vão além, devem ser rejeitadas” [3].
Não é apenas por inferência lógica que é possível refutar esta heresia, as Escrituras também não a apoiam. No ensino de Paulo, a Igreja está erigida sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, onde Cristo é a pedra principal (Ef 2.20). Não se pode pôr outro fundamento além do que já foi posto – Cristo (2ª Co 3.11). Todos os textos bíblicos que condenam os acréscimos à Palavra também são suficientes para se refutar a crença nas novas revelações.
Além de tudo o que foi dito sobre este movimento, é preciso fazer referência aos resultados desastrosos a que este ensino tem conduzido. Destas experiências subjetivas têm surgido toda sorte de ensinos e práticas bizarras. Talvez o principal indicador disto seja o culto. Vários elementos nocivos a uma liturgia bíblica são introduzidos sem nenhuma autorização. As igrejas estão cheias de pessoas vazias. Não se cresce nem na graça nem tão pouco no conhecimento do Senhor Jesus Cristo. Podemos resumir que tanto as Escrituras quanto as nossas experiências (aquilo que temos visto diante de nós diariamente) atestam que esta doutrina, longe de glorificar a Deus, tem causado escândalo ao evangelho.
CONCLUSÃO
Segundo ensinavam os reformadores, uma das marcas da verdadeira Igreja é a pregação fiel da Palavra de Deus. Quando não se tem esta compreensão, o resultado é danoso. A Igreja deixa de ser guiada pelas Escrituras e abre-se o caminho para o subjetivismo e para as inovações mundanas.
A Reforma trouxe consigo o entendimento de que a Escritura, e somente a Escritura, deve nortear todas as áreas da vida do homem. Co-mo já foi argumentado, a Bíblia é inspirada por Deus (2ª Tm 3.16), por isso ela é completa, perfeita e suficiente. Nada mais precisa ser acrescido. Deus não deixou faltar nenhum detalhe, nem foi pego de surpresa pelas circunstâncias para precisar conferir autoridade à tradição histórica da Igreja ou a supostas revelações do Espírito.
Hoje, o misticismo, o pragmatismo, o relativismo, o pietismo e o subjetivismo invadiram a Igreja. Estão assolando e devastando as comunidades cristãs, seus cultos, sua doutrina, sua vida. Uma das claras razões para esse caos é a descrença na suficiência da Escritura. Essas pessoas, na verdade, não têm fé suficiente para ficar com a Escritura somente, elas precisam de algo que a complemente. Nós, porém, como herdeiros do pensamento reformado que somos, não entendemos que a Escritura seja insuficiente ou incompleta. Cremos que o Senhor nos deu exatamente aquilo de que precisamos: a completa revelação de sua soberana vontade para as nossas vidas.
Precisamos defender a suficiência da Escritura. Para isto, precisamos mostrar a sua natureza transformadora na vida das pessoas. Precisamos colocá-la em seu devido lugar, que é o púlpito. Um grande sinal da negação desta doutrina em nossos dias é o “sumiço” da Escritura na pregação. Substitui-se o conteúdo bíblico por mensagens de autoajuda, discursos que mais se assemelham a palestras motivacionais do que a ser-mões. Recoloquemos a santa Escritura no seu lugar, é disto que precisamos. Sola Scriptura!
por Jonas Chaves da Silva
NOTAS
[1] SCHWERTLEY, Brian. O Movimento Carismático e as Novas Revelações do Espírito. São Paulo: Os Puritanos, 2000, pág. 47.
[2] HODGE, Alexander A. Confissão de Fé de Westminster Comentada. Traduzido por Valter Graciano Martins. São Paulo: Os Puritanos, 2013, pág. 64.
[3] ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Sola Scriptura – A Doutrina Reformada das Escrituras. Ananindeua: Knox Publicações, 2013, pág. 98.