“Uma Igreja em Boa Ordem se Mantém em Ordem (1 Reis 4)”
17 de janeiro de 2019“A Identidade de Gênero e a Igreja”
20 de abril de 2019“Educação Cristã no Antigo Testamento, na Igreja Primitiva, na Idade Média e na Reforma Protestante”
- EDUCAÇÃO CRISTÃ NO ANTIGO TESTAMENTO
Conforme lemos no trabalho de Gildásio Jesus B. dos Reis sobre a educação no período veterotestamentário para o Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, o escopo principal da educação daquele período era o de instilar na mente dos israelitas a centralidade da Lei de Deus em suas vidas, de modo que esta ocupasse suas mentes e, assim, eles se distinguissem como povo santo de Deus.
Um ponto fundamental dentro da educação dos hebreus era a concepção de que o ensino não deveria limitar-se à simples comunicação oral das verdades a serem conhecidas pelos ouvintes, mas era necessário que eles colocassem em prática aquilo que estavam aprendendo. Isto era tão forte entre eles que, segundo Reis, eles não podiam dizer que sabiam o que eles não faziam.
Com a finalidade de glorificar a Deus, os israelitas eram instruídos a iniciar a educação no ambiente familiar. A família era a primeira instituição responsável por educar. Esta responsabilidade era, em certa medida, dividida entre o pai e a mãe, pois a mãe iniciava os fundamentos da educação moral das crianças. Porém o pai era, em última instância, o maior responsável por educá-las, dada a sua posição de liderança.
Nós vemos a confirmação bíblica da perspectiva de Reis com clareza na passagem de Deuteronômio 6.6-9, onde lemos:
“6. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; 7. tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. 8.Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. 9. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.”
O resultado óbvio esperado deste ensino, como Reis nos mostra, era a obediência do povo de Deus a Sua Lei. Eles deveriam demonstrar na prática aquilo que haviam aprendido na teoria. Nas palavras de Reis: “Aprender a Lei de Deus não era algo divorciado da vida, mas antes algo que controlaria toda a vida.”¹
Um aspecto interessante salientado por Reis refere-se à didática que existia até mesmo nas festividades e nos rituais celebrados pelo povo hebreu. Estas solenidades também tinham conteúdo educativo. Reis afirma que “Através das festas e rituais, os pais e anciãos ensinavam as crianças o conteúdo da Lei e a necessidade de obedecê-la. O estilo de vida inteiro era pra ser didático em natureza e em função.”²
Fundamentando-se no livro de Provérbios, Reis acertadamente diz que havia uma educação relacional, de modo que o mestre estivesse sempre próximo do aluno. Diz ele que o Senhor Jesus preservou este padrão em seus dias, através do relacionamento próximo com os seus discípulos.³
O livro de Provérbios não ensina que os pais deveriam ensinar o caminho, mas no caminho em que eles deveriam andar, para que na velhice não se desviassem dele (22.6). Na prática de Jesus, vemos esta relação de proximidade na transmissão do ensino em suas palavras, por exemplo, em sua conhecida oração sacerdotal: “porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste” (Jo 17.8).
De maneira formal, é-nos mostrado que havia instituições de ensino em Israel, que eram basicamente três: o templo, as escolas das sinagogas e as escolas de profetas.
No templo, temos o exemplo de Joás como alguém que foi criado e instruído neste local. Lá, ele foi inteirado sobre a Lei de Deus. Nisto vemos o papel dos sacerdotes do templo cumprido, pois estes deviam deter o conhecimento da Lei (Ml 2.7; Os 4.7).
A sinagoga, que no período neotestamentário já estava bem estabelecida e presente nas atividades religiosas das comunidades judaicas, exercia o papel de ser um complemento da educação recebida em casa pelos pais, como ocorria no caso do templo. As pessoas eram, através da exposição das Sagradas Escrituras, confrontadas com a Lei quando a transgrediam. É digno de nota que as igrejas cristãs dos primeiros séculos receberam como herança a estrutura litúrgica das sinagogas, com seus cultos simples, compostos de orações, cânticos e leitura e explicação das Escrituras.
Por fim, temos as escolas dos profetas. Estas constituíam parte importante no sistema educacional de Israel. Isto porque os profetas eram verdadeiros mestres, que educavam pública e constantemente o povo de Deus a viverem Sua Lei. O profeta, segundo Reis, “era figura central na educação nacional, por causa de suas constantes exortações e recordações concernentes aos propósitos e vontade de Deus para com a nação israelita e a necessidade de viver uma vida correta.”4
- EDUCAÇÃO CRISTÃ NA IGREJA PRIMITIVA
Os cristãos primitivos certamente herdaram dos hebreus a tradição do ensino das Leis divinas para as comunidades da época. Podemos observar na prática apostólica a forte ênfase no ensino. Este era um aspecto fundamental na formação de novos cristãos neste período da igreja.
Os discípulos de Cristo receberam dele a missão de “fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28.19), o que implica ensino. Reis nos oferece o exemplo do apóstolo Paulo como educador cristão, com seu propósito de ensinar aos povos a doutrina de Cristo.
Paulo, apesar de não estar presente por ocasião da “grande comissão”, recebe tanto dos outros discípulos como do próprio judaísmo a tradição do ensino na Palavra de Deus. Segundo Reis, uma vez que os mistérios de Cristo, revelados na dispensação da Nova Aliança, são difíceis de explicar, se faz necessária a explicação e instrução.5
Entre os pais da igreja torna-se imprescindível o papel da educação. Através de suas cartas, suas apologias e outros escritos, eles buscavam resguardar a fé dos primeiros cristãos. Eles os confortavam e preservavam a doutrina. As heresias surgiam e se multiplicavam, e os apologistas se empenhavam na árdua tarefa de combater tais erros.
Havia também instruções acerca da vida diária dos cristãos e diretrizes para o culto. Vemos o exemplo disso na Didaquê, ou Instrução dos Doze Apóstolos. Nele encontramos regras para a ministração dos sacramentos do batismo e da eucaristia, além de outras instruções relevantes para o cotidiano dos cristãos.
O destaque que damos no ensino da Didaquê é a sua referência à educação. Ela deveria estar presente em todas as fases da vida dos cristãos. Começando da infância. “Sendo assim, notamos que a educação cristã tem como fundamento o lar e que a igreja passou a complementá-la, sobretudo quando o fiel desejasse se tornar membro da igreja.”6
No estudo da vida e da obra dos pais da igreja, os quais foram “os primeiros agrimensores do terreno, buscando entender o que Cristo e os apóstolos ensinaram”7, notamos um especial destaque à educação como parte integrante e indispensável da vida cristã, como deve ser nos nossos dias.
- EDUCAÇÃO CRISTÃ NA IDADE MÉDIA
Este período teve a Igreja Católica, instituição que se sobressaiu e se consolidou como entidade influente na vida e no pensamento dos povos, como a responsável pela educação.
O cristianismo sempre se destacou nas sociedades com sua proposta de mudança radical de comportamento. Mesmo na idade média, também conhecida como “idade das trevas”, ele assim se caracterizou. A igreja cristã, em detrimento da cultura grega que não dava grande importância ao aspecto moral da vida, continuou a apregoar a necessidade de mentalidade, de modo que o homem se preocupasse mais com a vida porvir, ou seja, com o seu destino eterno.
Sobre isto, Reis faz o seguinte comentário:
“O ideal educativo do cristianismo é um renascer para um mundo novo do espírito e com ele surge um novo tipo de educação com normas inéditas de vida e de comportamento. Assim, as preocupações morais e religiosas substituíram as preocupações intelectuais, estéticas e físicas da cultura grega.”8
Um importante período para a educação no período da idade média foi o período da escolástica. Este período teve grande influência para a educação. Buscou-se neste período fundamento racional para a fé cristã. Reis afirma que neste período procurou-se “demonstrar e ensinar as concordâncias da razão com a fé pelo método da análise lógica.”9
Neste período destacam-se para o nosso assunto Agostinho e Tomás de Aquino. Santo Agostinho foi brilhante como escritor e teólogo do século XI. Dentre suas obras, a mais conhecida são as suas Confissões. O legado de Agostinho é apreciado até os dias de hoje pela igreja cristã, tanto por católicos quanto por protestantes.
Tomás de Aquino também representa para a igreja de hoje um grande pensador da idade média. Este teólogo, que viveu no século XIII, compôs uma obra brilhante que, sem dúvida, é a sua opus magnum: a conhecida Suma Teologica. Esta obra é tão importante que muito da teologia da Igreja Católica está fundamentado nela.
Algo que sem dúvida representa um marco no que diz respeito à influência educativa da idade média foi a criação das universidades. Com toda a conjuntura social da época, a igreja tentava estimular as pessoas a não abandonar a fé em face da racionalização do discurso humano. As universidades surgem então como passo importante nesse sentido. Reis cita o fato de que foi no século XIII que surgiu a primeira universidade (Nápolis, em 1224.), e também aponta o surgimento de outras, como as de Paris, Bolonha, Salerno, Oxford, Viena e Salamanca.10
Hoje, entendemos que a chamada “idade das trevas” na verdade não foi assim tão escura. Houve abusos neste período, como também aconteceu em toda a história da humanidade. Mas não devemos nos esquecer dos avanços e das contribuições para o mundo do saber desta época. O mundo foi levado a refletir sobre os valores eternos, que são perenes e, assim, devem ocupar espaço privilegiado na mente. Reis conclui que a idade média “não foi um período negro de uma historiografia já superada. Foi um período de lenta, e talvez dolorida, fecundação de ideias e técnicas que prepararam os tempos modernos.”11
- EDUCAÇÃO CRISTÃ NA REFORMA PROTESTANTE
Chegamos ao período da Reforma Protestante. Este conhecido movimento não poderia deixar de ser mencionado. A Reforma representa para todos, especialmente para o protestantismo, uma grande revolução ideológica que afetou não apenas o mundo religioso, mas também as esferas cultural, artística, econômica, política e educacional.
Em sua análise da contribuição da Reforma Protestante para a educação cristã, Reis nos diz que com o início deste movimento “chega-se a mais elevada conscientização sobre a importância do processo educacional para a formação da personalidade humana, conforme a concebeu o Criador.”12
Lutero, por meio de quem a Reforma tem o seu “pontapé” inicial, instiga o povo a repensar a fé cristã. A partir daí, a educação ganha destaque e é valorizada. A influência do protestantismo estende-se às várias áreas da vida, como a social, a cultural, à política, etc., principalmente por conta da visão holística da vida cristã, conforme a concebiam Lutero e os reformadores.
Uma grande demonstração de Lutero no sentido de ensinar o povo pode ser observada pela tradução que Lutero faz do Novo Testamento. A leitura da Bíblia era privilégio de alguns poucos clérigos; os cristãos leigos não tinham permissão para isso. Lutero compreendia que os cristãos podiam ler as Escrituras e compreender sua mensagem através da iluminação do Espírito de Deus. É o início do princípio do livre-exame.
Em Lutero vemos alguém grandemente preocupado e decidido a engajar-se na luta contra a ignorância através da educação. Isto estava em harmonia com o espírito da Reforma Protestante. Os reformadores diziam que o maior inimigo da verdadeira fé cristã era a ignorância. Lutero escreveu uma Carta aos Prefeitos e Conselheiros das Cidades Alemãs, onde ele diz ser “necessário haver escolas para a segurança dos negócios deste mundo, como a história dos gregos e romanos claramente nos ensina.” Lutero achava tão imprescindível a educação infantil que ele afirmava que os pais que não enviavam seus filhos para a escola estavam servindo ao diabo.13
Com relação a Lutero podemos ver ainda sua preocupação com a educação cristã na produção de dois catecismos, um para crianças e outro para adultos. Neles, Lutero ensina os rudimentos da fé cristã e ajuda os cristãos de sua época a terem as suas crenças bem definidas em suas mentes.
Em Calvino vemos a continuação e a intensificação deste trabalho educativo. Apesar do fato de que ele nunca mencionou explicitamente sua preocupação com a educação, isto claramente transparece em seus escritos e na sua prática, que revelam que o “óbvio não dito”, ou seja, a educação cristã, estava no centro de sua atenção.14
Calvino, à semelhança de Lutero, emprega seus esforços intelectuais para combater a ignorância do povo. Entre seus escritos significantes podemos citar principalmente seus comentários bíblicos e a sua obra magna, as Institutas da Religião Cristã. Além disso ele cria a Academia de Genebra, onde ele sugere às autoridades civis que obriguem as crianças a comparecerem à escola e que tenham sua frequência cuidadosamente controlada. Reis testemunha que “Calvino promoveu a educação na escola secundária e insistiu sobre a educação primária compulsória para meninos e meninas.”15
O testemunho universal dos historiadores confirma que a Reforma Protestante foi um movimento revolucionário também para a educação. Sua influência se estende até hoje. Muitas escolas estão comprometidas com o ensino amalgamado nos pilares reformistas. Podemos mencionar a nossa Universidade Presbiteriana Mackenzie, que tem como objetivo “Educar o ser humano criado à imagem de Deus para o exercício consciente e crítico da cidadania e da dignidade, preparando-o para a vida, contribuindo, assim, para o desenvolvimento do ser e da sociedade, por meio do ensino e das atividades científicas, culturais, esportivas, sociais, éticas e espirituais.”
- CONCLUSÃO
A análise de toda a história da educação do povo de Deus permite-nos concluir que sempre fez parte da concepção do povo de Deus a noção de que a educação começa no contexto do ambiente familiar, sendo as instituições de ensino uma extensão desta educação.
Deus sempre demonstrou Sua preocupação com o desenvolvimento intelectual do Seu povo, não apenas de forma mecânica, mas principalmente de maneira prática e experimental. Esta noção foi sábia e sistematicamente passada para todos os principais líderes que se levantaram entre Seus servos ao longo da história. Quer tenha sido na vida de patriarcas, sacerdotes e reis, quer nos apóstolos, mártires e pais da igreja, quer nos líderes da idade média ou nos reformadores, Deus manifestou a luz do entendimento e da preocupação educacional para o povo.
O grande desafio para a instituição igreja continua. Ela precisa fazer eco ao que, ao longo dos séculos, tem sido a praxe do povo da aliança. É preciso dar continuidade ao trabalho; a missão é a mesma. Porém, como a compreensão é a mesma, é preciso lembrar que a educação nas instituições é de natureza apenas complementar, pois a principal responsável por esta é a família.
Jonas Chaves da Silva
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1 REIS, Gildásio Jesus Barbosa dos. Apostila Educação Cristã. Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. São Paulo, 2006, pág. 41.
2 Ibid.
3 Ibid, pág. 42.
4 Ibid, pág. 62.
5 Ibid, pág. 45.
6 LOPES, Edson Pereira. Fundamentos da Teologia da Educação Cristã/ Edson Lopes – São Paulo: Mundo Cristão, 2010, pág. 78.
7 PIPA, Joseph A. O Dia do Senhor. São Paulo: Os Puritanos, 2000, pág. 138.
8 REIS, pág. 77.
9 Ibid., pág. 83.
10 REIS, pág. 84.
11 REIS, pág. 86.
12 REIS, pág. 86.
13 CAETANO, Weslley Rufino. Educação e Protestantismo: A Contribuição Protestante Para a Educação. São Paulo:Universidade Presbiteriana Mackenzie, pág. 7.
14 GREGGERSEN, Gabriele. Perspectivas Para a Educação Cristã em João Calvino. Revista Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, pág. 2.
15 REIS, pág. 91.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAETANO, Weslley Rufino. Educação e Protestantismo: A Contribuição Protestante Para a Educação. São Paulo:Universidade Presbiteriana Mackenzie, pág. 7.
GREGGERSEN, Gabriele. Perspectivas Para a Educação Cristã em João Calvino. Revista Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, pág. 2.
LOPES, Edson Pereira. Fundamentos da Teologia da Educação Cristã/ Edson Lopes – São Paulo: Mundo Cristão, 2010, pág. 78.
PIPA, Joseph A. O Dia do Senhor. São Paulo: Os Puritanos, 2000, pág. 138.
REIS, Gildásio Jesus Barbosa dos. Apostila Educação Cristã. Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. São Paulo, 2006, pág. 41.